Há memórias eternas
de riqueza tão intensa.
Por vezes, coisas ternas.
Feliz quem nelas pensa.
Sou pensador compulsivo
e daí, o estar recordando
cada momento que vivo
na vida que vou palmilhando.
É o caso agora presente
do viajar no "pouca-terra",
noutros tempos d'antigamente
e que a memória encerra.
De viagem aventureira,
do Rossio se dava a partida,
com destino à nossa Beira,
numa imagem bem colorida.
Combóio a vapor, atractivo.
Fumarento. Carruagens e vagão.
Era logo, o primeiro motivo
de contentamento e emoção.
Um lugar junto à janela,
imperioso, teria de ser
pois, a paisagem tão bela,
era bem digna de se ver.
Mas sempre do lado direito,
motivo rogado e piedoso.
Dali, bem a preceito,
se via o Tejo, majestoso.
À partida, dado o sinal,
a velha máquina apitava,
iniciando um cerimonial
que a todos empolgava.
Lenços brancos acenando
na despedida familiar
como se algo nos levando
ao mais distante lugar.
Vinha depois o grande susto
do túnel da negra fumarada
que tudo deixava farrusco,
até Campolide, a "alvorada"!
Janota de camisa branca
à chegada a Campolide,
para ter a mesma estampa,
só mesmo, lavada com "Tide".
Porque o serviço era Regional,
parava em estações e apeadeiros.
Que interessava? Não fazia mal.
Éramos de escassos dinheiros...
Aos ricos, isso sim,
a pressa interessava e muito.
Mas também tinham o seu fim.
Qualquer ser, será defunto!
Íamos pois nesse fadário,
no combóio da nossa Beira
que nunca cumpria horário
e era alvo de brincadeira.
A carruagem de terceira
que aos pobres se destinava,
tinha bancos de madeira,
com comodidade alheada.
Mas ninguém a contrapor
sendo a viagem um bem-querer.
Até mesmo o revisor,
era olhado com prazer.
Prazer esse que aumentava
com a abertura do farnel.
Do que havia se degustava,
até à chegada a Fratel.
Aí, a cena sempre repetida
em cada combóio que parava:
A bilha de barro colorida...
A bilha de barro colorida...
"Água fresca..." se apregoava.
E, sendo a água beirã,
com todo o prazer se bebe.
Ninguém fazia "questã"
ser o barro de Portalegre!
Pois, não interessa a fonte.
Vizinhos de boa nascença,
só separados pela ponte,
não nos fazia diferença.
Tendo a sede mitigada,
cansados de longa viagem,
estamos perto da chegada.
Ródão, é a nossa paragem.
Aí, o contentamento,
de ver o Tejo Internacional
naquele enorme monumento
das Portas, ao natural...
Chegámos! Digam o que disserem,
esta aventura, assim vivida,
terá o valor que quiserem
mas faz parte da minha vida.
Silvério Dias - "Poeta de Sarnadinha"
In. "Neste Lugar Onde Nasci"
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