quarta-feira, 20 de julho de 2022

AS MINHAS MEMÓRIAS

O COMBÓIO DA BEIRA BAIXA

Há memórias eternas

de riqueza tão intensa.

Por vezes, coisas ternas.

Feliz quem nelas pensa.

Sou pensador compulsivo

e daí, o estar recordando

cada momento que vivo

na vida que vou palmilhando.

É o caso agora presente

do viajar no "pouca-terra",

noutros tempos d'antigamente

e que a memória encerra.

De viagem aventureira,

do Rossio se dava a partida,

com destino à nossa Beira,

numa imagem bem colorida.

Combóio a vapor, atractivo.

Fumarento. Carruagens e vagão.

Era logo, o primeiro motivo

de contentamento e emoção.

Um lugar junto à janela,

imperioso, teria de ser

pois, a paisagem tão bela,

era bem digna de se ver.

Mas sempre do lado direito,

motivo rogado e piedoso.

Dali, bem a preceito,

se via o Tejo, majestoso.

À partida, dado o sinal,

a velha máquina apitava,

iniciando um cerimonial

que a todos empolgava.

Lenços brancos acenando

na despedida familiar

como se algo nos levando

ao mais distante lugar.

Vinha depois o grande susto

do túnel da negra fumarada

que tudo deixava farrusco,

até Campolide, a "alvorada"!

Janota de camisa branca

à chegada a Campolide,

para ter a mesma estampa,

só mesmo, lavada com "Tide".

Porque o serviço era Regional,

parava em estações e apeadeiros.

Que interessava? Não fazia mal.

Éramos de escassos dinheiros...

Aos ricos, isso sim,

a pressa interessava e muito.

Mas também tinham o seu fim.

Qualquer ser, será defunto!

Íamos pois nesse fadário,

no combóio da nossa Beira

que nunca cumpria horário 

e era alvo de brincadeira.

A carruagem de terceira

que aos pobres se destinava,

tinha bancos de madeira,

com comodidade alheada.

Mas ninguém a contrapor

sendo a viagem um bem-querer.

Até mesmo o revisor,

era olhado com prazer.

Prazer esse que aumentava 

com a abertura do farnel.

Do que havia se degustava,

até à chegada a Fratel.

Aí, a cena sempre repetida

em cada combóio que parava:

A bilha de barro colorida...

"Água fresca..." se apregoava.

E, sendo a água beirã,

com todo o prazer se bebe.

Ninguém fazia "questã"

ser o barro de Portalegre!

Pois, não interessa a fonte.

Vizinhos de boa nascença,

só separados pela ponte,

não nos fazia diferença.

Tendo a sede mitigada,

cansados de longa viagem,

estamos perto da chegada.

Ródão, é a nossa paragem.

Aí, o contentamento,

de ver o Tejo Internacional

naquele enorme monumento

das Portas, ao natural...


Chegámos! Digam o que disserem,

esta aventura, assim vivida,

terá o valor que quiserem

mas faz parte da minha vida.


Silvério Dias - "Poeta de Sarnadinha"

In. "Neste Lugar Onde Nasci"




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